sábado, 17 de maio de 2008

Frangmento de Jorge Luis Borges, O Aleph

..."Chego, agora, ao inefável centro do meu relato; começa aqui o meu desespero de escritor. Toda a linguagem é um alfabeto de símbolos cujo exercício pressupõe um passado que os interlocutores compartilham; co­mo transmitir aos outros o infinito Aleph, que a minha tímida memória mal abarca? Os místicos, em transe semelhante, gastam os símbolos: pa­ra significar a divindade, um persa fala de um pássaro que, de algum mo­do, é todos os pássaros; Alano de Insulis fala de uma esfera cujo centro está em todas as partes e a circunferência em nenhuma; Ezequiel fala de um anjo de quatro asas que, ao mesmo tempo, se dirige ao Oriente e ao Ocidente, ao Norte e ao Sul. (Não é em vão que rememoro essas incon­cebíveis analogias; alguma relação elas têm com o Aleph.)É possível que os deuses não me negassem o achado de uma imagem equivalente, mas esta informação ficaria contaminada de literatura, de falsidade. Mesmo porque o problema central é insolúvel: a enumeração, sequer parcial, de um conjunto infinito. Nesse instante gigantesco, vi milhões de actos agradáveis ou atrozes; nenhum me assombrou mais que o facto de todos ocuparem o mesmo ponto, sem sobreposição e sem transparência. O que os meus olhos viram foi simultâneo; o que transcreverei será sucessivo, pois a linguagem o é."...

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